Cora Richmond, 13 de Dezembro de 1863
O comité eleito para seleccionar o tema do discurso da noite, submeteu os seguintes versos do décimo primeiro capítulo de São João:
23. Disse-lhe Jesus:
"O teu irmão vai ressuscitar."
24. Marta respondeu: "Eu sei que ele há de ressuscitar na ressurreição do
último dia."
25. Disse-lhe Jesus: "Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em
mim, ainda que morra, viverá;
26. E quem viver e acreditar
em mim, jamais morrerá. Crês tu nisso?"
Discurso
A porção significativa da passagem que acabaram de citar é, sem dúvida, a
resposta dada por Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que acreditar
em mim, ainda que morra, viverá; e aquele que viver e acreditar em mim jamais
morrerá.” Sob as circunstâncias em que foi proferido, quando era do
conhecimento de Jesus que Lazaro não estava morto mas dormia; e sob as
circunstâncias ligadas a toda a passagem, pode parecer um tanto singular. Mas
não o é quando levamos em consideração Cristo e a sua missão particular --
aquilo que ele dizia ser e aquilo que ele realmente era. Não basta que nos seja
dito que Jesus Cristo foi o Salvador; não é suficiente que compreendamos o que
significa a salvação, e que tenhamos intérpretes e comentadores em abundância
que nos digam aquilo que ele não disse, e exponham acerca da sua missão de
acordo com as próprias ideias que têm.
Se chegarmos a aceitar a passagem, precisaremos aceitar as próprias
palavras registadas nela. Cristo alega ser aquele que revela a verdade. O
próprio nome dele significa o homem de Deus, o que revela a verdade. Não Jesus
enquanto pessoa, nem enquanto o homem que conheceu Marte; nem Jesus que
ressuscitou o irmão dela dos mortos; não a forma do homem que lhe falou a ela,
nem a forma que foi crucificada no Calvário, mas Jesus o revelador da verdade.
E quem duvidará que aqueles que acreditem na verdade, embora possam estar
mortos, no corpo ou fora do corpo morto, viverão, e que aqueles que creem
jamais morrerão?
A verdade é imortal, e aquilo que se aplica à imortalidade, nem a morte nem
o tempo podem tocar, e aquele que crê nessa verdade, e a segue, acreditando
expressamente nela, e não professe meramente fazê-lo, não poderá morrer nunca;
pois sobre ele a morte não exerce o menor terror. Não pode porventura querer
dizer que aqueles que acreditassem em Jesus jamais viessem a largar o corpo
mortal, porque todos os seus seguidores, até ao presente, devem passar pelo que
é chamado morte. Não pode querer dizer que aqueles que acreditam em Jesus não
devam experimentar a mudança física. As palavras dele querem dizer algo mais
profundo do que isso, que só pode ser compreendido pelo significado espiritual
da missão de Cristo na terra. Não será de supor que todas as leis naturais
pudessem ser postas de lado, que todas as formas físicas devessem simplesmente
existir para todo o sempre por as pessoas acreditarem em Jesus. Acreditar na
verdade é superar o medo da morte, consequentemente, superar a própria morte. Para
aqueles que compreendem a verdade, não existe morte. Não há nada porque a morte
exerça qualquer terror, excepto para aqueles que têm receio e não conseguem
perceber a luz.~
A
missão de Cristo foi a de pregar a doutrina do amor e dar o exemplo desse amor
pela humanidade em todos os actos e obras; realçar que não existia morte;
suscitar o amor, e mostrar que para além da sepultura existia imortalidade;
ensinar pela sua vida e exemplo o caminho para essa imortalidade, ou um
conhecimento dela, e desse modo furtar a morte aos eus terrores, tal como
furtou a natureza humana aos seus pecados; apontar o caminho da salvação do
homem dos seus pecados, e conduzi-los e uma vida mais elevada e nobre; e ser a
ressurreição e a vida.
Assim,
não os guiamos ao cristo, não os guiamos ao Getsémani, não os conduzimos sequer
à humilde manjedoura em que Jesus nasceu -- guiámo-los ao que revela a verdade,
e dizemos, “Ai reside a vossa salvação. Vocês têm adorado ídolos. Prestam culto
à luz sagrada que foi vista no ocidente; aos milagres singulares que Cristo
realizou; me última análise e em conclusão prestam culto ao Calvário. Aí levam
todas as vossas lágrimas e mágoas, todo o vosso arrependimento e pecado,
supondo que na cruz somente realizou Jesus o objectivo da sua visita terrena.
Que estranho, quando toda esta vida não passou de um sinal de inspiração, e em
que toda a palavra e expressão registadas como tendo sido proferidas por ele
foi uma exemplificação do objectivo e propósito da sua missão na terra.
Ele
diz: “Eu sou a ressurreição e a vida;” porém, não “Eu” conforme vocês dizem,
nem “Eu” no sentido físico, mas “Eu” no sentido do que revela a verdade.
“Acreditando nessa verdade, embora possam ter morrido, viverão.” Não os verão a
todos ao vosso redor mortos, os que receiam a sepultura, os que evidenciam
horror à mera menção da morte, os que concebem que é uma cabeça de górgona
(...) repleta de terrores? Encontram-se mortos os que não têm concepção alguma
da vida imortal; os que não encaram a beleza nem a luz da ressurreição, e
tampouco compreendem a verdade; os que não aspiram à vida imortal, nem anseiam
pelo grande além; os que numa fria incerteza seguem na vida. Os mortos andam no
vosso seio a cada dia que passa. Nós encontramos e passamos os cumprimentos da
época àqueles que não encaram a vida.
Hão
de viver os que estão mortos em espírito e alma no que concerne à vida, e os
que não possuem conhecimento, inspiração, ideia de aspiração àquela
imortalidade que os aguarda. Não viverão aqueles que conhecem a verdade, que
sentem o ditoso despertar dos impulsos imortais, que entendem a consciência da
vida eterna, que sentem que nem toda a forma material não compõe a vida, e que
sabem que a verdade é eterna e vive para sempre? E aqueles que acreditam alguma
vez hão de morrer? Certamente que não, porque para eles não existe morte. É um
mero despir de uma veste usada. Não morrerão aqueles que acreditarem nele -- ou
seja, na sua verdade, verdade essa que é a consciência da imortalidade, a
ditosa evasão da sujeição da morte terrena, a libertação de todo pecado.
A morte, no significado usual, é quando o corpo é colocado no repouso, ou para se decompor na sepultura, e quando a forma amada jaz imóvel e fria; quando não há nenhuma voz que responda que lhes devolva os vossos próprios timbres, e quando a face e o olho e a boca deixam de responder à vossa voz do amor. Aí trata-se da morte -- quando o lar e a cadeira ficam de vago, quando o lar fica desolado, quando nada há o que senta e conceba e experimente o vosso amor. Porém, se essa hora for de trevas para vós, se eles tiverem acreditado n’Ele, não estarão mortos, mas viverão em maior verdade do que antes. Para eles a morte não terá tido terror. Eles descartaram a velha forma como vós despis uma veste velha, e como a borboleta irrompe da sua crisálida e se lança no ar. Isso não é morte.
Depois
há outros géneros de morte -- daqueles que se encontram no desespero, que foram
conduzidos à beira da loucura, cujas almas afundaram com a injustiça, que não
acreditam em nada que se relacione com Deus nem no homem, e para quem todo o
raio de luz não entra. Há outros que estão mortos de uma forma diferente -- que
foram tão longe nos caminhos do pecado que parecem não ter consciência nenhuma
do correcto nem nada que se pareça, e esses encontram-se mortos no que diz respeito
à consciência disso. Mas por essa verdade, esse poder do amor de Jesus, a docilidade
persuasiva do espírito de Cristo, também esses poderão viver.
Depois
há aqueles mortos que pensam estar vivos, mas que se encontram absolutamente em
sepulcros, que escutam o som dos ossos dos mortos, que andam por aí com eles
presos à mente, que revêm a toda a hora nas suas mentes os esqueletos da
verdade em vez da própria verdade, que aproveitam tudo após a vida ter
perecido, e que literalmente acreditam naquilo que se esfarelou em pó. Olham
para o passado como se ainda estivesse vivo, ao passo que o presente não tem
qualquer existência; e esses estão mortos. Eles veneram a forma da morte, e
curvam-se diante desses esqueletos, e levam-nos consigo para onde quer que vão,
e jogam-nos na vossa cara e dizem: “Aqui está a verdade,” quando na realidade
eles estão mortos.
E
habitualmente os homens falam de bondade e de verdade e amor, e do espírito de
Cristo, quando nada sabem do que falam. Depois há outros que se encontram
parcialmente mortos, não completamente, cujos poderes mentais e morais mal
parecem ter vida, e que possuem uma fraca cintilação de vida. Sobre esses a
verdade poderá recair, e porventura despertá-los para uma consciência superior,
para que essa morte signifique que não se encontram cientes da vida, da
verdadeira vida, e da vida real, acima e superior às formas circundantes que
devem desvanecer-se. Se vocês estiverem vivos somente por possuírem corpos
materiais, então bem que poderão considerar que estão todos mortos. O corpo
deve morrer -- não há como escapar a isso, evadir-se. E aí devem ter alguma
outra vida, alguma outra esperança, alguma outra confiança.
É uma questão da maior importância se chegarem a pensar nisso -- estar vivo, não morrer nunca, jamais sentir o temor da morte a rastejar por vós acima, jamais recear passar para o vale da sombra da morte, jamais recear saudar a luz que precede a manhã do dia eterno, jamais sentir a mais leve, sombria, persistente dúvida na vossa mente quanto à verdade da existência imortal; mas sentir-se forte, claro e firme na verdade, e confiar nela, crer na ressurreição e na vida, acreditar n’Ele, o que diz a verdade e o exemplo disso. É algo maior do que inicialmente imaginavam. É muito fácil dizer, “Eu acredito, eu venero, eu adoro;” mas quando a morte chega, quando Jesus coloca a mão sobre o corpo, quando a sombra começa a rastejar sobre a visão -- sentir-se então forte na vida e na consciência da existência eterna, saber que a verdade está convosco e que viverão eternamente -- é uma fé maior do que a que a maioria dos Cristãos possui.
Pensem
nisto -- não pode existir morte para a alma. Ela vive, e há de viver para todo
o sempre; mas esta morte em vida, esta inconsciência da vida, esta existência
sombria e irreal em que vocês estão viventes, essa é a morte de que Cristo
falou. “Embora possam estar mortos,” -- ele não disse que estavam mortos. Ele
disse: “Aquele que acreditar em mim, ainda que possa estar morto.” Bom, o que
poderá parecer estranho é, como poderia alguém acreditar se toda a consciência
estivesse morta. Ninguém poderia acreditar se a alma estivesse morta. Não
deveria haver nada em que acreditar, nada de que tomar conhecimento; não
deveria haver pensamento nem razão. A vida espiritual condena essa morte viva a
que vocês chamam experiência. Aqui estão todos, sepulcros vivos, por viverem em
meio ao que não tem vida e se encontrarem mortos para aquilo que é vida,
estarem adormecidos para a vossa existência real, e pensarem que um sonho seja
a realidade.
Pela
manhã vão para os vossos empregos, e chamam a isso vida. Cruzam-se com o vosso
semelhante e procedem aos negócios habituais desta vida, e dizem: “Quão bela
não é a vida!” e “Que enfadonha!,” “Quão cansado estou da vida.” Quando saciam
o prazer, quando a mente se cansa com toda esta existência externa fugaz que se
some; porque não poderão dizer, “Estou cansado da morte, e quero viver;” porque
não dão expressão àquilo que é verdade? -- porque este prazer que experimentam
hoje amanhã desvanece-se. O prazer traz dor. A sedução do prazer, da riqueza,
da reputação, encontra tudo um fim na sepultura, e o corpo que adornam e
embelezam, que sonham ser a porção mais importante da existência, que na vossa
estranha opinião constitui toda a vossa vida -- isso deverá desfazer-se de
volta em pó.
E
quando têm consciência de todas essas alegrias e prazeres passageiros, quando
fama e fortuna e até mesmo os prazeres se desvanecem, quando as flores da
Primavera murcham, quando a folhagem das árvores se vai, quando todas as
esperanças e aspirações humanas e expectativas se desvanecem, quando a fama não
passa de uma bugiganga, e a ambição orgulhosa os influencia para a destruição;
quando as folhas dos louros lhes ardem na testa, e não têm mais coisas terrenas
a conquistar, e fracos, cansados e a esvair-se dizem: “Ah, que venha a morte,”
porque não dizer: “Que venha a vida”? Não terá sido a alma que foi sepultada?
Não terá sido o espírito que espera romper a barreira? Não será a verdadeira
existência que tem vontade de viver? E na realidade essa vida exterior
decadente não será uma morte?
Vocês
sonham com coisas muito elevadas, têm vislumbres da vida superior, e dizem que
isso não passa de sonhos. É uma realidade. Vocês vivem num sonho todos os dias.
Caminham no vosso sono, absolutamente mortos no vosso pensar e agir aqui,
quanto o espírito está vivo, mas mais tarde ou mais cedo emplumará as suas asas
e partirá destes interesses enfadonhos, monótonos, frios, da vida. Lembrem-se
então que, embora mortos, ainda assim viverão; porque, quando a supremacia da
verdade atinge a alma, ela desdobra-se por si só qual flor, e por fim brota na
vida refulgente. Lembrem-se que para a alma não existe morte; não há morte para
o espírito. Ele vive para sempre, e na exacta proporção em que acreditar na
verdade, assim continuará a viver.
Por
conseguinte, ao expressar esse sentimento, Cristo não pretendia que a
humanidade lhe colocasse todos os seus pecados em cima, e que associassem a ele
individualmente toda a importância da existência; mas que dessem simplesmente a
importância devida a toda a verdade à sua verdade e à elocução das linhas
referidas. Morto! Eu cá creio que posso contar entre o meu auditório muitos que
podem estar mortos, que tenham estado mortos, ou que hoje estejam mortos para
com todos estes sentimentos refinados, santos da vida espiritual -- que, se interrogados
se estão vivos, responderão: “Sim, o meu corpo encontra-se com vida; quer
dizer, eu estou vivo, pois caminho e penso e como e bebo e movo-me.” Mas, será
a isso que chamam vida? Ora, isso é
morte. Amanhã, poderá ser que tenham vida, quando o vosso corpo estiver na
sepultura, ou quando despertarem para a consciência da verdade; poderá ser que
tenham vivido antes de a vossa forma ter falecido. Talvez um raio de verdade,
uma consciência da vida imortal, algum sonho de uma existência superior da alma
possa ter penetrado na vossa consciência, e vocês possam viver.
Talvez
conhecem gente que tenha vivido através das grandes mentes da era. Elas têm
génios, e isso fica-lhes nas mentes e na consciência até que vivam, e levem a
era a viver a impetuosa grandeza das suas ideias. Alçam-se às alturas dos
montes, e deixam os que estão abaixo a interrogar-se se deveriam aventurar-se
me tais vertiginosas alturas; mas eles atraem o mundo a segui-los; e esses são
os homens que vivem.
O
génio, qual pássaro orgulhoso, mergulha as suas asas nas águas da terra somente
para poder pairar no alto na luz do sol e brilhar com mais beleza. Mas existe
vida em todos os corações; vida que se acenderá numa chama, e com o seu poder e
perfeição, liderar todo espírito em frente. Vocês não sabem como o mundo se
encontra morto. Não têm noção da quantidade de sepulcros vivos se encontram no
vosso meio. Não têm consciência da vida que possuem. Aceitam o seu símbolo e
chamam-lhe vida. Quando choram ante o afastamento dos amigos amados, eles
nascem para a vida; mas eles deviam chorar por vós, e não vós por eles. Se
devesse haver luto, devia ser entre os anjos, por vocês estarem mortos; não
entre vós, por eles estarem vivos. Tal é o facto. Quando a morte desperta a
alma da morte do corpo, geralmente desperta-a me toda a inteira consciência
clara e calma da vida.
Mas
há algo para expiar e compensar por isso; porque através da estagnante
atmosfera e das trevas da vida terrena vocês têm vislumbres desse ser, e as
vossas almas emitem ocasionalmente uma radiação dos pensamentos da verdade e
justiça e amor que cintila e vocês realmente vivem. Nós dizemos-lhes quando é
que vocês vivem. Quando a dor e o sofrimento humano despertam a compaixão;
quando vocês se sentem solidários com as alegrias dos outros; quando vocês riem
por os outros estarem contentes e alegres, e misturam as vossas vozes com as
suas perdas; quando vertem lágrimas de compaixão por aqueles que estão de luto
-- porque aí ostra que a alma não está inteiramente morta.
Vocês
estão vivos quando levam o vosso irmão pela mão, e o conduzem ao caminho da
virtude, se ele se tiver desviado. Vocês estão vivos quando têm grandes, boas e
salutares ideias e as partilham com a humanidade. Vocês estão vivos quando
empreendem os vossos deveres diários, não como se eles fossem vida, mas auxiliares
da vida. Há alguns que mourejam na mesma existência terrena, e que pensam
sempre na mesma esteira, sem passarem nunca além. Enquanto outros há que acatam
a luta e a carregam até ao topo da montanha -- e esses vivem.
(A
desenvolver)